sábado, 17 de março de 2007

Regime jurídico do tombamento

Regime jurídico do tombamento

Maxwell Medeiros de Moraisadvogado em Recife (PE), pós-graduado em Direito Administrativo pela UFPE

1. Considerações preliminares :

O direito de propriedade foi consolidado, na Revolução Francesa, como uma das manifestações mais defendidas de cidadania. Entretanto, percebeu-se com o tempo, que o direito de propriedade, apesar de ser um direito essencialmente individual, não poderia ser tão priorizado a ponto de sufocar outros direitos (inclusive de outras pessoas desprovidas de propriedade).
Em virtude disto surgiu a idéia de função social da propriedade como aperfeiçoamento conceitual do regime tradicional, e enquanto princípio segundo o qual somente o trabalho legitima propriedade. Este princípio sedia-se na CF justamente por que o próprio direito de propriedade sedia-se na Carta, cabendo ao direito civil apenas a sua regulamentação, bem assim as disposições referentes às relações entre os particulares.
2. Conceito de cultura :
Consoante Gomes Canotilho, numa abordagem normativo constitucional, é "tradição, que deve ser garantida e defendida, é tarefa e inovação, que exige a nomeação, que exige a promoção positiva da criação e fruição cultural por parte do Estado e de outras estruturas autônomas"(1).
3. Objeto do tombamento :
O objeto, consoante está na CF é o patrimônio cultural, cuja noção está explicitada no art. 216, abaixo citado.
Leme Machado elogia o conceito de patrimônio cultural dado pela CF, pois permite uma proteção dinâmica e adaptável às contingências e transformações da sociedade(2).
Segundo Gomes Canotilho, citado por Fiorillo e Rodrigues, quando se tutela o meio ambiente cultural, o objeto imediato de proteção relacionado com a qualidade de vida é o patrimônio cultural de um povo.
O art. 1º do DL nº 25/37 determinava que o patrimônio histórico e artístico nacional é o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Entretanto este conceito foi substituído pelo que consta na CF, art. 216(3).
Assim, percebe-se que, segundo Fiorillo e Rodrigues, independentemente de os bens terem sido criados por intervenção humana (ou de outros fatores), são passíveis de serem protegidos, desde que existente o nexo vinculante do bem em questão com a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, para que possa ser tombado, até porque os incisos previstos no art. 216 da CF não constituem um rol taxativo de elementos, e sim numerus apertus foram colocados no referido artigo, visto que a própria expressão "nas quais se incluem" denota esta característica, pois outros bens integrantes do patrimônio cultural podem existir sem que tenham sido citados.
Outra demonstração da amplitude do referido conceito está na referência a grupos formadores da sociedade brasileira, até porque nossa nação é constituída de muitas raças. É relevante ressaltar que tanto pode ser protegido e preservado como patrimônio cultural um bem individual ou um conjunto de bens.
Sobre a noção de patrimônio cultural há também a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, adotada em Paris, em 23/11/72, e ratificada no Brasil pelo Decreto nº 80.978, de 12/12/77, consoante a qual considera-se como patrimônio cultural :
" – os monumentos naturais constituídos por formações físicas e
biológicas ou por grupos de tais formações, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico;
- as formações geológicas e fisiográficas, e as áreas nitidamente delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas e que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação;
- os lugares notáveis naturais ou as zonas naturais nitidamente delimitadas que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência, da conservação ou da beleza natural"(4).
O art. 3º do DL nº 25 exclui os bens que não podem ser objeto de Tombamento (ou seja, que excluem-se do patrimônio histórico e artístico nacional), que são as obras de origem estrangeira :
- que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
- que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras que façam carreira no país;
- consistentes em bens adquiridos por sucessão de estrangeiro e situados no Brasil;
- pertencentes a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
- que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais;
- que sejam importadas por empresas brasileiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos".
Apesar de :
- a Constituição Federal incluir no Patrimônio Cultural Brasileiro sítios de valor paisagístico, e que tal patrimônio poderá ser protegido por tombamento; e de
- o DL nº 3365 dispor em seu art. 5º que "consideram-se casos de utilidade pública [para efeito de desapropriação para manutenção de tombamento, grifo nosso]:
(...)
l) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza [griso nosso]".
Dr.º Meirelles nos alerta que o tombamento não é instrumento adequado para a preservação da fauna e da flora, sendo equívoco proceder-se com esta finalidade, pois as florestas são bens de interesse comum e estão sujeitas ao regime legal especial estabelecido pelos seguintes diplomas legais:
- Código Florestal (Lei 4771 de 15/9/65), que indica o modo de preservação de determinadas áreas florestadas;
- Código de Caça (Lei 5197 de 3/1/67);
- Código de Pesca Decreto-lei 221 de 28/6/67.
Assim, segundo ele, a preservação das florestas e da fauna há de ser feita com a criação de parques nacionais, estaduais, municipais ou de reservas biológicas, como permite expressamente o Código Florestal (art. 5º).

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