sábado, 17 de março de 2007

5. A Perspectiva Pós-moderna

5. A Perspectiva Pós-moderna


A pós-modernidade caracteriza-se por ser um movimento de forte crítica à racionalidade moderna. Salienta a emergência de um novo saber tópico e contextual, próximo do doméstico e do cotidiano. Apresenta-se com incredubilidade em relação às meta-narrativas universalizantes simplificadoras do mundo, como aquela que faz parte da modernidade: a Ilustração e seus produtos conceituais abrangentes da totalidade da vida humana. A questão do vínculo social é tido agora como um jogo de linguagem momentâneo, localizado e complexo, que jamais atinge a universalidade.
No plano das teorias político-sociais, este movimento de crítica traduzir-se-á em forte crítica às concepções de cidadania, democracia e participação política modernas, assentadas basicamente na dualidade Estado/Sociedade civil. Esta crítica tem basicamente dois pressupostos. Em primeiro lugar, o pressuposto de que o conceito de cidadania proposto pela modernidade - qual seja, de pacto político de exclusão e inclusão e, portanto, altamente seletivo e mascarado pelo discurso da igualdade formal de participação - é inadequado, pois oculta os diversos espaços de formação de poder e de direito, bem como as diversas formas de opressão e de dominação existentes na sociedade. Sendo assim, demanda uma urgente reformulação no sentido de incluir anseios sociais historicamente excluídos por um discurso tido como universalizante. Em segundo lugar, o pressuposto de que um conceito mínimo de cidadania, embora de difícil precisão, deve envolver necessariamente a noção de direitos fundamentais instituídos e a participação direta de todos os atores sociais no processo instituinte de novos direitos. Este aspecto vai ao encontro do reconhecimento da quarta geração dos direitos fundamentais(15).
No plano do direito, essas idéias irão configurar uma insatisfação com relação as categorias ‘direito’ e ‘Estado’. Estes não mais estariam realizando satisfatoriamente a perspectiva da sociedade de organizar racionalmente as estruturas institucionais de suas condições de vida, estando, assim, esgotados.
Surge, assim, a indicação de um direito reflexivo, baseado em uma maior flexibilização do anterior caráter autoritário do direito, bem como sua dispersão em vários níveis de formulação. Este fenômeno refere-se à delegação de poder de negociação das instituições jurígenas clássicas (poder legislativo, que encarna a vontade geral) para partidos políticos em disputa e a introdução de processos quase-políticos da formação da vontade e do compromisso. Com esse tipo de regulação , o legislador deixa de atingir imediatamente objetivos concretos; ao invés disto, as normas procedimentais que orientam o processo devem colocar os atores envolvidos no processo de negociação jurígena em condições de regular seus assuntos diretamente. A legislação perderia seu caráter detalhista para limitar-se a um direito mais geral e flexível. O Estado, neste contexto, teria um papel de guia da sociedade, assegurando procedimentalmente um espaço onde os diversos grupos sociais (dentro da perspectiva pluralista) auto-regular-se-iam com base nos preceitos gerais do direito estatal. (16)
No tocante ao Direito Constitucional, teríamos a desconstituição da Constituição como pacto fundador e legitimador da organização social racionalmente concebido. A Constituição seria um estatuto reflexivo, que, através de certos procedimentos, do apelo a auto-regulações, de sugestões no sentido da evolução político social, permitiria a existência de uma pluralidade de opções políticas, a compatibilização dos dissensos, a possibilidade de vários jogos políticos, a garantia da mudança através da construção de rupturas.
Ainda na linha da crítica denominada pós-moderna, tem-se que o compromisso básico do Estado Democrático de Direito é a harmonização de interesses que se situam em pelo menos três esferas fundamentais: a esfera pública, ocupada pelo Estado; a esfera privada, em que se situa o indivíduo; e um segmento intermediário, a esfera coletiva (terceiro setor), em que se tem os interesses de indivíduos enquanto membros de determinados grupos, formados para a consecução de objetivos econômicos, políticos, culturais ou outros.(17)
Assim, de acordo com a perspectiva pós-moderna, teríamos uma concepção procedimental da Constituição. Segundo GUERRA FILHO(18):
"Essa concepção ‘procedimental’ da Constituição se mostra adequada a uma época como a nossa, apelidada já de ‘pós-moderna’, em que caem em descrédito as ‘grandes narrativas’, legitimadoras de discursos científicos e políticos, não havendo mais um fundamento aceito em geral como certo e verdadeiro, a partir do qual se possa postular ‘saber para prever’. Radicaliza-se, assim, a inversão da perspectiva temporal em que se legitima o direito, com a introdução, nos sistemas políticos modernos, de uma constituição, quando o juridicamente válido o é não mais porque se encontra argumentos num passado, histórico ou atemporal (ordem divina, estado de natureza ou outra coisa do tipo), para justificá-lo. Ao contrário, como aponta Niklas Luhmann, a partir de uma constituição se dá uma ‘abertura para o futuro’ na forma de legitimar-se o direito, o qual passa a ‘prever as condições de sua própria modificabilidade e isso juridicamente, acima de tudo, através de regras procedimentais...’"
Como problemas da concepção pós-moderna, poderíamos apontar a perda da força normativa da Constituição, uma vez que a proposta pós-moderna nos traz a ressurgência da informalidade frente a formalidade, dos fatos frente à normatividade. Uma conseqüência deste fenômeno poderia ser o caráter neofeudal de regulação social, uma vez que a descentralização do processo decisório em diversos foros de negociação poderia acarretar a dominação de grupos específicos por considerações econômicas e pelos interesses de elites dominantes. (19)
Outra questão problemática não resolvida pela teoria pós-moderna seria o verdadeiro abalo sofrido pela clássica separação entre os poderes, pois o avanço de cláusulas gerais e de objetivos indeterminados e a delegação de competências decisórias e de posições de negociação dissolveriam o vínculo que liga a justiça e a administração à lei democrática, fundamento de legitimidade moderno do direito. A justiça passaria a preencher os espaços ampliados de sua área de decisão com programas de leis e representações valorativas próprias. A administração conquistaria um espaço amplo para determinações causuísticas representativas de grupos corporativos específicos.
Em suma, a partir do momento em que a lei abstrata e geral deixar de ser a forma normal e obrigatória dos programas de regulação do Estado social, passa a faltar o elo capaz de transmitir a racionalidade do processo legislativo para os processos da justiça e da administração e, portanto, o elo capaz de lhes outorgar legitimidade.(20)

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