sábado, 17 de março de 2007

III. MUNICIPALIZAÇÃO

III. MUNICIPALIZAÇÃO
1. NOÇÃO

Fenômeno que, ao lado da globalização, vem ocorrendo nos últimos anos, consistindo numa maior participação dos entes locais ou regionais nas atividades políticas e administrativas, passando a influir mais diretamente na vida dos cidadãos e, por conseguinte, do Estado como um todo.
O sentimento municipalista ou regionalista é uma resposta aos ditames universalistas que estão acontecendo na configuração política dos diversos Estados. Por outro lado, representa também um mecanismo de atuação da sociedade nas questões que mais de perto lhe dizem respeito. A incapacidade da administração central, que repleta de atribuições para bem satisfazer as demandas sociais, ensejou uma gradual e importante transferência de responsabilidades das esferas superiores para as esferas inferiores. À guisa de exemplo, como os conselhos municipais de saúde. (21)
Outrossim, compreenda-se a municipalização como uma das manifestações do moderno tribalismo. Este termo tem duas conotações: a primeira, pejorativa, significa um nacionalismo funesto, capaz de cometer as maiores atrocidades em nome de vínculos étnicos, culturais ou religiosos, contra aqueles não estiverem dentro dos mesmos padrões (ex. a "limpeza étnica" imposta na Iugoslávia, por conta da guerra civil que assola esse país). Convém lembrar, junto com ARTHUR DINIZ, que os problemas surgidos no continente europeu constituem o fruto do "degelo" de velhas questões de fronteiras, raça, nacionalismo, congelados durante o período de guerra fria. Adquiriram vida e ameaçam novamente o precário sistema internacional. (22) A segunda, válida, significa uma maior valoração de elementos comuns, sem o ranço dos preconceitos advindo das diferenças. (23)
O primeiro tipo de tribalismo é bastante perigoso. "A revista The Economist, seriamente alarmada desde o princípio, afirmou que o vírus do tribalismo corre o risco de se tornar a AIDS da política internacional - jazendo inativo por anos e, depois, irrompendo para destruir os países." (24) EINSTEIN afirmou que o nacionalismo é o sarampo da humanidade.
Já o segundo modelo de tribalismo é resultado dos extraordinários avanços tecnológicos, assim como de uma maior intensidade de afirmação dos princípios de universalidade e democracia. "Quanto mais universais nos tornamos, mais tribalmente agimos." (25)
Duro é o digládio entre a concepção universalista e a tribal. "O desejo de equilibrar o tribal e o universal sempre existiu. Agora, a democracia e a revolução nas telecomunicações (que dissemina a idéia da democracia e a torna premente) alcançaram essa necessidade de equilíbrio entre o tribal e o universal a um patamar novo. A democracia amplia e multiplica grandemente a assertividade das tribos, enquanto a repressão faz o inverso. A união comunitária de seres humanos é a nossa peculiaridade." (26)
Ante essas premissas, JOHN NAISBIT chega a seguinte conclusão: "Está-se no paradoxo global: quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores: nações, empresas e indivíduos." Considere-se que o sobredito autor partiu de uma perspectiva econômica, contudo suas conclusões podem ser aplicadas em outros matizes das ciência humanas.

2. OBJETIVOS

O processo de municipalização visa, sobretudo, transferir para mais perto do cidadão a maior quantidade possível de atribuições nas questões que lhe dizem mais diretamente respeito, sem que haja uma necessidade de participação ou interferência de outras esferas de poder.
Na medida em que se aumentam as possibilidades de maior participação do cidadão nas questões político-administrativas, provoca-se um maior engajamento do mesmo, desperta-lhe o interesse, posto que terá uma maior responsabilidade nessas questões. Ou seja, desperta e faz agir o sentimento de cidadania democrática, não apenas com o voto, mas sobretudo, com a participação no processo de construção do Estado e da sociedade, através de canais amplos de comunicação entre os cidadãos e as diversas instituições privadas ou estatais. (28)
Outrossim, tomando em consideração o aspecto tribal, ou seja, de valorização dos vínculos sócio-culturais comuns entre as diversas pessoas que formam uma comunidade, objetiva-se fortalecer esses vínculos, para que possam manter identidade própria, sem que sejam obnubilados por um avassalador processo de globalização a que estamos sujeitos. (29)
3. A MUNICIPALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Municipalizar os direitos humanos é torná-los mais próximos do próprio cidadão. É sedimentar a responsabilidade para a efetivação dos mesmos dentro do seu campo de ação, que é a própria localidade. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que a grande maioria dos direitos humanos é para serem concretizados no nível municipal ou da comunidade local, uma vez que é nessas regiões que de fato o homem vive e desempenha suas atividades.
Daquele elenco exposto anteriormente, raros são os que não podem ser trabalhados ao nível de municipalização. Assim, densificam-se os direitos humanos, transformando a tarefa de sua implementação em uma ação conjunta dos poderes públicos e da sociedade e do próprio indivíduo, já que o mesmo está mais próximo dos problemas e das possibilidades de solução deles.
Outrossim, municipalizar ou tribalizar os direitos humanos é um resgate da identidade do homem como ser ativo em uma comunidade, que passa a ter vez, voz, fala e comunicação. (30) Para dar uma demonstração desse resgate dos valores, tomemos o exemplo da carta aberta dos movimentos indígenas ao Papa João Paulo II, em sua visita ao Peru: "Nós, índios dos Andes e da América, decidimos aproveitar a visita de João Paulo II para devolver-lhe sua Bíblia, porque em cinco séculos não nos deu nem amor, nem paz, nem justiça. Por favor, tome de novo sua Bíblia e devolva-a a nossos opressores, porque eles necessitam de seus preceitos morais mais do que nós. Porque, desde a chegada de Cristóvão Colombo, impôs-se à América, pela força, uma cultura, uma língua, uma religião e uns valores que são próprios da Europa. A Bíblia chegou a nós como parte da mudança colonial imposta. Ela foi a arma ideológica deste assalto colonialista. A espada espanhola, que de noite se convertia na cruz que atacava a alma índia." (31) Dispensam-se os comentários.

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