sábado, 17 de março de 2007

4. Direito e Neoliberalismo

4. Direito e Neoliberalismo


Com o término do ciclo militar e a transferência do poder aos civis, a Constituição de 1967 e a Emenda Complementar de 1969, transformaram-se em corpos jurídicos totalmente obsoletos frente à nova ordem que se pretendia instalar, com a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Novo regime. Nova Constituição. Afinal, tinha-se que refundar a República brasileira. Depois de dois anos de discussões, avanços, retrocessos e acordos, nasce a Constituição de 1988.
A nova Carta mantém o perfil liberal, racional e formalista, mas expressou alguns avanços e consagrou direitos reclamados, desde sempre, pelos movimentos sociais organizados.
No entender de alguns juristas (Wolkmer: 1998 e Carrion: 1989), o texto atual não inviabiliza um alcance múltiplo, à medida que que serve à legitimação da vontade das elites e à preservação do status quo, como atende a uma proposta de modernização da sociedade, mormente com o aparecimento de mecanismos de democracia direta.
Os institutos do habeas-data e mandado de injunção são instrumentos extremamente fundamentais para a consolidação de um sistema de poder democrático. Além do que, novos direitos comunitários foram previstos. Não se pode negar que a Carta de 1988 é um texto cansativo pela extensão, detalhista e programático, porém, pela primeira vez a República reconhece novos sujeitos sociais.
Foi justamente esta Constituição que deu garantias legais para que um presidente da República sofresse impeachment e forneceu garantias para que não houvesse uma ruptura institucional, com a posse, sem maiores traumas, do vice-presidente. Coube a ela, também, ressurgir o instituto da eleição direta, depois de 21 anos de regime militar e obscurantismo político.
Porém, com a onda liberal que arrastou atrás de si forças conservadoras do patronato nacional, foram desconsiderados importantes avanços constitucionais e minimizado o papel da sociedade civil na construção de uma sociedade mais justa. O neoliberalismo, que prega a prevalência absoluta do mercado sobre o social, desencadeou uma leva de ações privativistas e reformistas que consegui desfigurar, quase que por completo, alguns direitos individuais.
Os reformistas atingem o corpo constitucional justamente na sua área mais frágil: o social. O novo capitalismo brasileiro, globalizado e monitorado pelo FMI, com fortes tendências de exclusão social, restringe mais ainda o espaço político da cidadania. Para o projeto liberal, consolidado pelo atual governo, o que vale é o mercado, ao passo que a democracia política é apenas uma concessão, desde que controlado pela nova ordem. Observa-se, novamente, um Estado manipulado pelo poder de classe e plenamente articulado com o discurso reformista e com o projeto liberal internacional.
Em síntese, o constitucionalismo brasileiro, lei maior do direito brasileiro, nunca deixou de ser o grande produto da conciliação-compromisso entre o patrimonialismo autoritário e o liberalismo conservador (Wolkmer: 1998).
A utilização, em excesso, de Medidas Provisórias que substituíram para pior os famigerados decretos-lei, demonstra claramente a falta de tradição de uma cultura jurídica democrática. A trajetória jurídica brasileira, da Colônia ao Império e do Império à República, sempre esteve marcada por um direito de classe. E a lei, como instrumento de dominação, vem cumprindo, num continuum, o relevante papel integralizador entre a elite econômica e a elite governamental
A construção de uma verdadeira justiça tem que passar, necessariamente, pelo entendimento de novos paradigmas do direito, de um outro tipo de direito, emancipatório e libertador. Daí sim, pode emergir uma nova cultura jurídica, na contramão das modalidades tradicionais de democracia liberal e de direito de classe.
Essa juridicidade engajada, se implantada, pode edificar um outro modelo jurídico-político para o Brasil, resultante de um processo mais abrangente de práticas sociais mais emergentes.

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